Ainda assim, pesquisa mostra que predomínio masculino no setor é de 79%
Um homem, Karl Benz, patenteou o automóvel em janeiro de 1886. Mas foi uma mulher, Bertha Benz, quem provou que a carruagem sem cavalos era viável. Em 5 de agosto de 1888, Bertha embarcou seus filhos Eugen, de 15 anos, e Richard, de 14, no Benz Patent-Motorwagen Modelo 3 e, sem o conhecimento de Karl, saiu de Mannheim para visitar a mãe em Pforzheim, uma viagem de ida e volta de 180 quilômetros pelas trilhas da Alemanha.
Abrir caminhos com um triciclo motorizado foi como atravessar o Canal da Mancha de pedalinho. Mas, pela lógica masculina, se até uma mulher era capaz de conduzir a traquitana, qualquer homem poderia. Não há como saber, porém a chacota mais ouvida pelas mulheres no trânsito pode ter sido criada naquela época por um cocheiro contrariado.
Bertha, uma mulher, entrou para a história. Mas foi Karl, um homem, que se notabilizou como o criador do primeiro automóvel a combustão — invenção só possível, diga-se, porque Bertha financiou o projeto.
As mulheres, desde então, tentam se impor no universo automotivo — e não apenas nele. Conquistaram direitos básicos, como o voto (só liberado em 1934 no Brasil) e a igualdade salarial (antes da lei sancionada em julho de 2023, elas ganhavam 22% a menos que eles na mesma função). Contudo, ainda lutam para serem reconhecidas no nicho que cheira a gasolina e borracha queimada.
Foi o que comprovou a pesquisa Diversidade no Setor Automotivo, apresentada bienalmente pela Automotive Business, plataforma de informações que, apesar do estrangeirismo, é editada no Brasil. E, a propósito, tem duas mulheres no comando: a CEO, Paula Braga, e a editora-chefe, Giovanna Riato.
Na última edição da pesquisa, divulgada em fevereiro, soubemos que o predomínio masculino no setor é de 79%, mesma proporção registrada por ocasião do primeiro levantamento feito pela plataforma, em 2017. Na hierarquia, quem se senta na cabeceira ainda é o homem: apenas 7% de mulheres ocupam o comando e 23% têm cargos de direção ou gerência. As trainees, ou estagiárias, formam apertada maioria, 51%.
Panorama idêntico foi mostrado em fevereiro de 2023 na pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que ouviu executivos de mil empresas de diferentes áreas industriais. O preconceito (21% das respostas) e o machismo (17%) foram as principais barreiras para a promoção da igualdade de gênero nos locais de trabalho, de acordo com os entrevistados.
Alguns fabricantes divulgam iniciativas que tentam mostrar empenho para promover o equilíbrio de forças em seus quadros. Mas, na prática, as ações soam mais como estratégias de marketing. Mulheres têm forte influência na decisão de compra do automóvel e, segundo o Registro Nacional de Carteira de Habilitação, de cada três habilitados, um é mulher (36%).
Para cativar esse cada vez mais independente público, vale tudo. Em 1956, a Chrysler lançou nos Estados Unidos “o primeiro carro feito exclusivamente para as mulheres”, o Dodge La Femme, versão do sedã duas portas Custom Royal Lancer. Vinha pintado de rosa, tinha estofamento com decoração floral e uma bolsa rosa com produtos de maquiagem. Fiasco: 2,5 mil unidades produzidas em dois anos. As mulheres queriam — e ainda querem — bem mais que isso.