Novo regime substitui o Rota 2030 e amplia as exigências da frota automotiva
Em 2012, o governo criou o programa Inovar Auto com a intenção de reduzir pela metade as emissões de carbono até 2030. Para isso, estabeleceu requisitos para que os veículos saíssem das fábricas mais econômicos, seguros e menos poluentes. Em 2018, o Rota 2030, ainda mais rigoroso, passou a vigorar. Agora, na virada do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o Mobilidade Verde e Inovação, também conhecido como Mover, que substitui e expande os projetos anteriores.
A ideia do novo programa nacional é “ampliar as exigências de sustentabilidade da frota automotiva e estimular a produção de novas tecnologias”.
A regulamentação detalhada do Mover deve ser publicada nos próximos meses. É só depois disso que teremos uma noção mais clara das novas exigências. Ainda assim, já é possível entender as principais mudanças.
Portanto, a partir de agora, Autoesporte mostra tudo o que vai ser modificado no setor automotivo com a chegada do Mover. Para nos ajudar a explicar as diferenças, conversamos com Erwin Franieck, engenheiro e diretor-presidente do Instituto SAE4Mobility.
Incentivo fiscal
Para incentivar as empresas a investirem em descarbonização e se enquadrarem nos requisitos obrigatórios do programa, o governo vai destinar uma verba bilionária para as fabricantes. O incentivo fiscal será de R$ 3,5 bilhões em 2024, R$ 3,8 bilhões em 2025, R$ 3,9 bilhões em 2026, R$ 4 bilhões em 2027 e R$ 4,1 bilhões em 2028. No total, o governo destinou R$ 19,3 bilhões em incentivos. No Rota 2030, o incentivo médio anual, até 2022, foi de R$ 1,7 bilhão.
Outra novidade é que os incentivos fiscais serão condicionados a investimentos na indústria local e em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). Desta forma, empresas que fizerem aportes entre 0,3% e 0,6% da receita, poderão receber de volta créditos financeiros que variam de R$ 0,50 e R$ 3,20 para cada real investido. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), esses créditos poderão ser usados para abater tributos da Receita Federal.
Foco na indústria nacional
Esses incentivos fiscais, segundo Erwin Franieck, podem proteger a indústria nacional.
“Fazer qualquer investimento em indústria no Brasil é algo que vem perdendo força há mais de 50 anos. Desde 1980, o Brasil não tem uma alavancada de melhora da indústria. Acho que esse novo processo vai fazer o Brasil começar a industrializar novamente dentro das áreas automotivas e das áreas transversais. Uma vez que eu começo a fabricar câmbio automático no Brasil, eu vou ter ferramentas, máquinas de usinagem e outras coisas que eu vou trazer junto com essa fábrica de câmbios automáticos, por exemplo. Esse vai ser um grande marco do Mover”, explica.
IPI Verde
Além dos incentivos fiscais, veículos que poluem menos serão premiados com o chamado IPI Verde. A tributação do Imposto sobre Produtos Industrializados será estabelecida a partir da fonte de energia para propulsão, do consumo energético, da potência do motor, da reciclabilidade e do desempenho estrutural e de tecnologias assistivas à direção.
Porém, o governo não abrirá mão da arrecadação do imposto. Assim, em vez de reduzir a alíquota dos mais eficientes, modelos que não se enquadrarem nos parâmetros citados acima terão que pagar mais. As alíquotas do chamado IPI Verde, bem como a sobretaxação, ainda não foram detalhadas pelo governo.
Biocombustível
A criação do IPI Verde mostra que o Mover foca fortemente no biocombustível, ou seja, em qualquer combustível obtido a partir de biomassa vegetal ou animal, como é o caso, por exemplo, do etanol. Isso porque os modelos movidos com essa matéria-prima se enquadram mais nos critérios estabelecidos para garantir uma tributação mais baixa.
Essa também é uma forma de acelerar a descarbonização da frota brasileira sem precisar investir em veículos elétricos, mais caros para produzir e vender, ao menos em um primeiro momento.
“Motores híbridos que usam etanol já saem ganhando 3% de benefício de impostos. Eu acho algo que faz todo sentido, uma vez que é a tecnologia que melhor se adequa aos ativos nacionais por aqui”, complementa o engenheiro.
Medição do “poço à roda”
Para se encaixar nessas regras, as fabricantes terão que lidar com a nova forma de medição das emissões de carbono dos veículos comercializados no Brasil. A partir de 2024, se tornou obrigatório considerar todo o ciclo de produção de um automóvel nessa avaliação, incluindo a fabricação do combustível.
Nos veículos movidos a etanol, por exemplo, as emissões serão medidas desde a plantação da cana-de-açúcar até a queima, considerando colheita, processamento e transporte. Antes, as aferições eram realizadas “do tanque à roda”, ou seja, deixando de lado o processo produtivo dos combustíveis.
“Eu acho que, cada vez mais, você não pode falar de sustentabilidade sem considerar o ciclo de vida que você está trabalhando. E acho que fazer isso é uma direção óbvia para o mundo, inclusive. Então, se a gente pega a cadeia inteira, você está pegando realmente a análise que tem que ser feita”, explica Franieck.
O governo ainda afirma que o Brasil será o primeiro país do mundo a medir as emissões dessa forma. De acordo com Erwin, a avaliação que começa a usar usada por aqui serviria para o mundo inteiro — e impactaria a forma de analisar a sustentabilidade dos carros elétricos.
“O jeito que a maioria dos países criou para medir os elétricos mostra que os carros têm zero emissões de CO2. No fim, não é zero. A fonte de energia elétrica, se vier de usinas de carvão mineral, não é zero. Por isso, o que a gente está implementando no Brasil, serviria para o mundo inteiro. E vai mostrar que o elétrico, se você pegar a cadeia inteira, muitas vezes acaba sendo pior do que um combustível fóssil na produção de energia”, esclarece.
E os carros elétricos?
Desta forma, os elétricos não serão beneficiados apenas por serem movidos a baterias. Isso significa que os carros dessa categoria vão passar pelo mesmo método de medição de qualquer outro modelo do mercado.
“Você falar que o carro elétrico, por ser elétrico, já tem um benefício, isso não. Mas, como ele vai ter uma melhor eficiência, vai ser melhor. Como a fonte de energia dele vai ser limpa, também vai ser melhor. Então, tudo que o elétrico realmente trouxer de ganho, ele vai receber. Só que ele vai se enquadrar no mesmo requisito dos outros carros”, cita Erwin.
Reciclabilidade
No Mover, ainda haverá exigência de material reciclado na fabricação dos veículos, com índice mínimo ainda não definido, mas que deverá ficar acima de 50%. “Buscar reciclabilidade é um tema que já estava dentro do Rota 2030, mas agora eles definiram um número para garantir a redução de IPI. Então, a reciclabilidade ganhou um espaço que não tinha antes”, compreende Franieck.
Junto disso, outra novidade do Mover é que, a partir de 2027, haverá medição da pegada completa de carbono dos veículos vendidos no Brasil. A partir de então, a classificação será feita “do berço ao túmulo”. Ou seja, desde a produção até o descarte.
“O Mover muda de nome, mas não muda de direção. O novo programa modifica um pouco os instrumentos, mas respeita a transição e não desliga o que já foi feito anteriormente. Por isso, a intenção já parece positiva. Não decidiram acabar com uma coisa e construir uma outra totalmente diferente. Acho que foi muito bem feito o trabalho”, finaliza.